22/11/2009

ANOS VERDES: VERDES ANOS

Finalmente, as férias. Acordei cedo, sabendo que íamos para o Estreito. Rapidamente, comi um pão com manteiga e café, e já estava pronto para ir junto aos trabalhadores, para seguir viagem rumo àquele lugar repleto de árvores frutíferas, riachos e trilhas que permitiam descobertas de lugares cada vez mais fascinantes. Seguimos viagem. Era tempo de manga. Os manguezais estavam repletos de vários tipos: rosa, espada, jasmim. Chegar ali era como ingressar num lugar cheio de curiosidades e fantasias criado com o objetivo de esquecermos o espaço urbano onde eu morava para poder gozar dos prazeres de morar na zona rural. Logo na entrada uma vista jamais esquecida na memória: uma porteira, um caminho repleto de flores, uma pequena ponte, e logo em frente, a casa grande. Descemos do carro. Pai foi conversar com D. Hosana. Dona Hosana nos saudava e logo após dizia:  Zezé, os balaios estão no depósito de banana, mas venha aqui primeiro que preciso conversar com você. Meu pai entrava casa adentro para conversar sobre os negócios e acertar as contas com ela. Eu ficava na varanda da casa, observando aquele lugar. Havia, ali, um local para guardar as frutas que chegavam em seu tempo de colheita. Tudo era incrivelmente fascinante: a casa grande, a casa dos moradores, a casa de farinha, os depósitos com seus guardiões misteriosos (os morcegos e os pardais). Voltei os olhos para casa grande. Fitei a porta principal e fiquei olhando todos os móveis daquela sala. O sofá era muito bonito, parecia de couro. No canto da parede, havia uma peça muito bonita, um armário onde se guardam cristais e outras peças, a cristaleira. Em cima dela, uma jarra para vinho ladeada por pequenos copos sobre uma bandeja de prata. Lembrei-me dos balaios. Segui para o depósito e de lá para o parreiral. Antes de chegar ao meu destino, deparei-me com uma barreira onde em cima havia um grande pé de caju. Ao lado, um viveiro com vários tipos de pássaros. Eram muitos pássaros. Apesar de sempre achá-los muito bonito, percebia que eles perdiam a graça quando presos em uma gaiola, mesmo que ela seja grande ou pequena. Voltei meus olhos, aquele àquele frondoso cajueiro, logo acima da barreira de barro vermelho. Não resisti, subi a barreira e peguei um. Aquele cajueiro possuía cajus amarelos de um sabor incomparável. Ao lado, um pé de sapoti e um de jiló. Na realidade, eu não sabia o que era jiló até aquele dia. No caminho para o parreiral Dona Hosana havia pedido que eu retirasse alguns e levasse para ela na casa grande. Quase esqueci aquele pedido, fascinado com as árvores frutíferas daquele lugar. Os trabalhadores os tiraram para mim e fui levar para ela. No caminho decidi provar um e a partir daquele momento descobri que aquele fruto não era um dos meus prediletos para saborear. Jiló tem sabor amargo. Eu gostava mesmo era de manga, sapoti, jaca, pitanga, jabuticaba, cana-de-açúcar, uva, banana... Aquele lugar reunia, praticamente, todas as culturas agrícolas até então existentes em São Vicente Férrer. Ah, só não tinha umbu, azeitona preta. Estes eu ganhava quando ia para outras localidades, também naquela cidade.
O tempo passou. Crescemos. Sempre que viajo e passo por aqueles ambulantes vendendo frutas, lembro-me de imediato, da minha terra natal. Sempre compro, mas os sabores jamais são os mesmos: cana-de-açúcar, uva, banana. A cidade teve ciclos importantes de se destacar no cultivo dessas três culturas agrícolas dos anos 50 para cá. O café também fez parte da história do Município, o qual entrou em declínio no inicio da década de 60.
Entre as décadas de 70 e 80, praticamente, toda cultura agrícola comercial, era voltada para o cultivo da cana-de-açúcar nas propriedades rurais de São Vicente Férrer. Lembro-me durante os anos 80 – ainda garoto – que nos períodos do corte de cana, depois de irmos a escola, e de realizar as atividades escolares na presença da minha mãe, juntava-me com alguns amigos para irmos aos canaviais localizados perto do centro da cidade. Lá pelas terras de um senhor chamado “Getúlio”. Não era sempre. Minha mãe quase nunca sabia o nosso destino nos finais daquelas tardes. Ela só descobria quando chegávamos com a roupa suja de cana queimada. Reclamava e alertava a todos nós para o perigo que representava se o feitor nos pegasse “fazendo guará”. Ela dizia que dentro dos canaviais havia um bicho parecido com um lobo e que quando havia queimada eles saiam correndo do fogo, prontos para atacar quem aparecesse na frente. Eles eram selvagens. Para mim, o guará que existia era o feitor daqueles canaviais. Nunca me deparei com um deles, mas sempre achei que eles eram como jagunços armados até os dentes e capazes de tudo para defender seus senhores. Mesmo com essas possibilidades, nunca fomos pegos. Valia a pena. No outro dia estava pronto para arriscar novamente. Afinal, não era o ano todo que havia cana-de-açúcar para realizarmos nossas aventuras, sem contar que quando o inverno chegava, aquelas labaredas de fogos – que queimavam a cana-de-açúcar e assustavam os guarás, fazendo chegar em nossas casas aqueles maluguinhos para aperreio das donas de casa – não mais existiam por causa do período da entressafra. Com o tempo, o cultivo da cana-de-açúcar entrou em declínio dando espaço ao surgimento de uma outra cultura agrícola que tomava proporções cada vez maiores naquela cidade: o cultivo da uva preta.
Na década de 80, o cultivo da uva preta estava em ascensão na cidade. Havia muitos plantadores da fruta no Município, localizados principalmente no Estreito, Chã do Esquecido, Açude Novo, e Engenho Cipó Branco. Sempre que podia – porque meus pais sempre priorizaram a educação de seus filhos em detrimento de outras atividades – viajava com meu pai para a zona rural colher uvas. Era interessante, que nas vindas dos parreirais, acontecia algo comigo que só consegui compreender quando adulto: é que eu sempre voltava sonolento dentro da picape que o meu pai transportava a uva da zona rural para a cidade. Apesar de um sabor sem igual, a uva possuía uma substância capaz de nos deixar embriagados em vista da ingestão de cachos e cachos de uva embaixo dos parreirais. Naquela época, eu sequer imaginava o poder que essa fruta exercera desde a Mitologia através de deuses como Baco (ou Dionísio) até os dias atuais, sendo considerada uma fruta exótica e possuidora de várias simbologias presentes em eventos de natureza diversa que vai do sagrado ao profano. Era para mim, um prazer gozar dos prazeres que a uva oferecia em conjunto com as aventuras associadas nas viagens que eu realizava com meu pai quando da colheita da uva em propriedades rurais da cidade. Das viagens, a que eu mais gostava era quando íamos às terras do Sr. Aderaldo, um velho amigo do meu pai e também cultivador da fruta. Quando chegávamos àquela localidade, juntava-me aos filhos de Sr. Aderaldo e de moradores, e invadíamos os parreirais adentro. De lá seguíamos encontrando além da fruta, pés de jabuticaba, barreiros para banharmos, e até anzóis para pescarmos. O tempo passava muito rápido e quando víamos, já era tempo de voltarmos para casa com a picape cheia de balaios e caixotes com uva. De volta à cidade, mais precisamente num depósito localizado no beco do Sr. Ramiro, meu pai, juntamente com os trabalhadores, concluíam o serviço de encaixar e organizar em caminhões a uva que teria como destino comercial seguir para a cidade do Recife, e também para outros estados circunvizinhos. O nome da rua conhecida por todos como “beco do Sr. Ramiro” era Travessa João Pessoa. Sr. Ramiro era um dos moradores mais antigos do local, talvez o primeiro residente, e também o pai de D. Conceição Luna, na época diretora da Escola Estadual na qual eu estudei todo o meu Ensino Fundamental, e alguns anos depois o Habilitação Básica em Agropecuária: Centro de Educação Rural Coronel João Francisco, popularmente conhecido na cidade como o CERU. Meu pai e Sr. Ramiro eram amigos de longas datas. Foi ele uma das pessoas que ajudou meu pai a se estabelecer, cedendo um depósito no início de sua vida profissional para realizar seus trabalhos, e a manter-se no comércio como sendo, o vendedor de uva mais conhecido na cidade. Outro grande amigo que em muito contribuiu em sua história foi o senhor chamado Antonio Campina. Grandes agricultores deram sustentação ao nome do pai, como por exemplo: D. Hosana, Sr. Benigno Moura, Sr. Valdir Cavalcanti, Sr. Bonifácio, Sr. Júlio Alves, entre outros.
Meu pai sempre teve muitos amigos. Até hoje é assim. Ele é uma pessoa muito considerada por todos. Porém, se alguém chegar na cidade procurando pelo Sr. José de Souza Albuquerque, talvez, não o encontre, já que por todos, na cidade ele é conhecido pelo cognome de “Zezé Pão”. Dizem os amigos mais velhos que, ele recebera essa alcunha pelo fato de que quando meninote, ao passar na frente de uma padaria ou venda comum, sempre repetia a expressão “Pai, me dê um pão”. Daí, ser ele conhecido até os dias de hoje, como sendo “Zezé Pão”. Das amizades que ele possui até os dias de hoje, o que eu mais recordo são dois senhores conhecidos pela alcunha de “Quinca Preto” e “Antonio Campina”. Como diz o jargão: “Por trás de um grande homem, há sempre uma grande mulher”. No caso do meu pai, essa grande mulher é Maria Irene de Albuquerque, segunda esposa do meu pai – ele ficou viúvo do primeiro casamento – e que até hoje é ela quem cuida de todos os assuntos do lar e da família dando-lhe sustentação e apoio em todas as suas decisões. Trata-se de uma mulher de fibra, trabalhadora e merecedora do carinho que todos rendem por ela. Voltemos às uvas... Meu pai realizou aquelas viagens, durante madrugadas e madrugadas partindo para escoar os produtos de sua terra natal naqueles caminhões e garantir o sustento da família. Na época do recesso escolar, era naqueles caminhões que nós seguíamos viajem para passar as férias na casa dos nossos parentes, na capital Recife. Aquele tempo foi muito bom, mas o tempo não pára e nem pode parar. Hoje, meu pai está aposentado. O tempo passa e as coisas mudam, inclusive para fazer surgir outras culturas agrícolas como, a banana.
A economia do Município nos anos 90 estava voltada, ao cultivo da banana pacova, conhecida lingüisticamente como “banana pacovan”. A essa altura o produto estava sendo vendido não só para grandes centros comerciais dentro do Estado, mas também, para diversos centros comerciais de vários estados no país. Esse aumento no cultivo da banana rendeu ao Município o cognome de “Terra da Banana”. Para comemorar o feito, teve início nessa década, a “Festa da Banana”, um evento inusitado para todos que tomou proporções, tornando-se conhecida nacionalmente pela forma exótica dos eventos culturais inseridos na festividade, a exemplo: “a corrida de costas”, “o maior comedor de banana”, entre outros promovidos por artistas da terra e região. De fato, o Município tornou-se conhecido. A festividade tem acontecido a cada ano com suas peculiaridades e proporções. Essa mudança na cultura agrícola surgiu nos anos 90 em São Vicente Férrer, marcando e sendo marcado por vários acontecimentos e transformações tanto no âmbito nacional, como também, conseqüentemente, estadual e municipal.
O país passava por mudanças econômicas e sociais, reflexo talvez, da promulgação da nova Constituição Federal, de 1988. Na educação, mudanças na proposta curricular e metodológica. Mudar era preciso, mudar era necessário. Nomes como Caetano Veloso, Chico Buarque, Cazuza, Legião Urbana conquistavam a admiração e a atenção daqueles que procuravam se manter antenados nas mudanças ocorridas no país e na forma como perceber a sociedade na qual estávamos inseridos. Muita coisa acontecia ao mesmo tempo, e nós também tentávamos acompanhar tais mudanças. Cada um a sua maneira, e no seu ritmo, é claro. Eu fiz a minha parte.
O fato é que o tempo não parou. E no tocante à próxima cultura agrícola a surgir em São Vicente Férrer, de fato, não sei, bem como, a mudança que ela realizará ou representará na forma de vida das pessoas que lá residem. Não mais na minha vida, pois não estou mais para acompanhar as possíveis mudanças. Fui agraciado por ter a oportunidade de conhecer novos caminhos que a vida sugere. Ficam, assim, as lembranças alegres, e consideração pelas verdadeiras amizades ali construídas em uma terra que jamais esquecerei: a minha terra natal. Acredito que, assim como as fases pelas quais nosso Município passa para fazer acontecer sua história, o mesmo acontece com a gente. A verdade é que, toda mudança gera uma transformação e que novas decisões precisam ser tomadas para acompanhar o ritmo que a vida apresenta numa sociedade de constantes mudanças, a cada dia, a cada hora, a cada momento.

Um comentário:

  1. meu amado irmão! vc não sabe como eu viajo nessas lembranças.neste momento lagrimas rolam no meu rosto de orgulho e de saudade . parabéns mais uma vez vc é muito especial beijos te amo

    iranise albuquerque

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