08/08/2009

MEMORIAL

“DE COMO TIVE ACESSO À LEITURA E A ESCRITA”
Foi em São Vicente Férrer, cidade do interior do estado de Pernambuco, que eu, Hidelbrando Lino de Albuquerque, nasci. De um número de cinco irmãos: dois homens e três mulheres, afora uma que Deus levou antes de completar um ano de idade, eu fui o segundo filho. Vivi minha infância como criança mesmo, de acordo com os versos do poema “Meus oito anos”, do poeta Casimiro de Abreu. Naquela época fazia tudo sem preocupar-me com o futuro. No entanto, quando completara cinco (05) anos já dava sinal de que meu caminho era realmente a Escola. Meu irmão mais velho saía de casa para a escola, e eu ficava em casa chorando e querendo ir com ele. Fazer o quê? sabe Deus. Até então, eu ainda não tinha noção do quanto o mundo da leitura e da escrita se tornariam fascinantes para mim. Completei meus seis anos e fui direto para a primeira série no Centro de Educação Rural Coronel João Francisco – CERu, na mesma cidade onde nasci. Lá, estudei a primeira e segunda série do Ensino Fundamental com a professora (tia) Arabela, e as séries seguintes: terceira e quarta, com a professora (tia) Lineide. Com dez anos estava na quinta (5ª) série. Todos os professores que tive foram importantes para mim. Cada um com sua contribuição para a minha formação. Destaco o nome de três deles em lembrança e representação de todos eles: D. Juraci – Língua Portuguesa; D. Mirandolina – Matemática, e o professor João Barbosa – Inglês. Meus pais apenas possuíam o Ensino Fundamental incompleto, mas foram eles basilares em minha formação escolar. Minha mãe me apoiava em todas as atividades escolares. Meu pai também colaborava nas contas da Matemática. Ah, meu pai também era muito bom em Matemática. Nas atividades quando tinha alguma dúvida, minha mãe me ajudava. Lembro bem daquela mesa grande onde sentávamos, eu e minha mãe, para colocar as atividades em dia depois do almoço. Eu estudava no primeiro turno: manhã. Até a oitava série no Ensino Fundamental, conseguia boas notas e a palavra “recuperação” não fazia parte do meu histórico escolar. Retomando o espaço onde comecei meus estudos, o CERu, recordo que algumas vezes visitávamos a biblioteca e aquele lugar era para mim um universo à parte naquele ambiente escolar. Aquele local me fascinava. O lugar exercia sobre mim um força que eu não sabia explicar. Era mágico ficar olhando todos aqueles livros dispostos e em ordem naquele lugar. Sempre que brincava de esconde-esconde com meus colegas, o lugar que eu usava como esconderijo era a biblioteca. Lá eu me sentia protegido, e lá ninguém conseguia me encontrar mesmo. Durante um tempo eu ficava ali, num cantinho olhando todos aqueles livros que eram para mim guardiães com suas fronteiras capazes de proteger-me de tudo e de todos. Agora percebo aquela metáfora que a vida preparava para mim. Fui aluno colaborador por vários anos naquele Educandário. Durante toda a minha vida naquela escola, era a biblioteca, o local que despertava maior curiosidade. Aqueles globos que eu não entendia para que serviam, réguas gigantes de várias formas, livros com capas bonitas, coleções e coleções da BARSA, livros de histórias que só mais tarde eu pude descobrir que poderia pegar emprestado, enfim. Li alguns deles. O que mais chamava a minha atenção era um que explicava tudo sobre os “Símbolos Nacionais”: a bandeira, o brasão... Foi o conhecimento sobre os símbolos nacionais que fez com que eu conseguisse vencer uma Gincana Cívica, com perguntas e respostas sobre o Brasil. O evento aconteceu no dia 07 de setembro de 1983 onde competi com alunos de todas as séries e turnos que estudavam naquele Educandário. Na época, namorava uma garota que antes da competição chegara para mim e afirmara que eu seria o vencedor daquele jogo. Lembro que o prêmio para o vencedor era um vinil de “Selva de Pedra”, novela de sucesso para a época. Aquele presente eu repassei de imediato para aquela que previra a minha vitória. Sobre este assunto, passemos esta parte. O tempo passa e os olhares são outros. Olhares mais atentos. Retomando a biblioteca como eixo das minhas memórias, reconheço que aquela vontade de ficar ali ficou gravada em minha memória, acompanhando-me a cada momento que passo em frente de uma livraria, ou mesmo vendo outra pessoa com um livro na mão, pois não resisto e acabo entrando para conhecer livros novos ou perguntando ao proprietário do livro qual o título ou mesmo o autor. Lembro que por trás daquela biblioteca havia no chão uma bandeira nacional construída em alvenaria que era retocada anualmente para não perder sua beleza... Creio que ela ainda existe naquele local. Da parte de acesso à leitura e a escrita sempre tirava notas boas, mas não me recordo de uma atividade de leitura ou escrita que marcara meus estudos. Mas lembro de todos os professores que tive contribuindo para me educar cada um a sua maneira. Todos eles conseguiram. Inclusive, meus pais. Com o apoio dos dois: José de Souza Albuquerque e Maria Irene de Albuquerque, eu tive a oportunidade de ter acesso à “leitura e escrita no mundo”. Meu pai comercializava frutas para outras cidades e estados, e junto com ele eu dava início – sem perceber – a uma viagem em busca de novas leituras que eram oportunizadas através de idas e vindas à zona rural e a zona urbana. Aquela experiência para mim era os meus primeiros passos para a leitura do mundo que eu podia alcançar através da cabine da picape do meu pai e dos caminhões que o transportava para escoar as frutas que ele comercializava. Nos tempos de férias, foi naquelas viagens que comecei a perceber que havia outras cidades além da minha terra natal, e que a “capital” – naquela época não sabia de qual Estado - era referência para a cidade chamada Recife. Com o meu pai, conheci vários lugares, várias pessoas... “coisas no mundo...”. Falando sobre leitura e escrita, lembro bem, neste momento, de um amigo que o meu pai tinha de nome Sr. Moacir, que era dono de um grande centro comercial de frutas na CEASA Recife, onde havia na entrada daquele local um grande letreiro com o nome “Casa das frutas”. Naquele letreiro, o que mais me chamava atenção era o conjunto de frutas desenhado junto àquela fachada de entrada da loja. Havia maçãs, uvas, laranja, entre outras, que davam um contorno ao nome do comércio, de forma que quem por ali passava se sentia logo convidado a entrar para comprar frutas. Com a minha mãe, os primeiros contatos com a leitura deram-se através dos quitutes (pastéis, bolos, tapiocas, etc.) que ela fazia para eu vender aos sábados ou domingos pelas ruas da cidade. Aquela oportunidade contribuiu para que eu tivesse uma melhor percepção sobre como tratar as pessoas que compravam os salgados, sem contar com as operações básicas da Matemática que eu fazia cada vez mais rápido e seguro, já que ao final do dia, o lucro era certo, após a prestação de contas a minha mãe. Relembro a preparação prévia que ela me dava antes de sair às ruas, orientando sempre para tratar bem as pessoas, tendo em vista que o mundo era cheio de surpresas e isso exigia uma leitura de mundo, também. Ela também me apoiava nas aulas do catecismo que eu participava com D. Conceição. Em minha memória, ficaram gravadas várias histórias sobre o Novo Testamento. Eu sabia de todas aquelas histórias “de cor e salteado”, pois minha mãe pedia para eu ler para ela antes de ir ao catecismo. A essa altura, eu já trabalhava na feira, vendendo roupas nos dias de sábado, com uma senhora que se chamava D. Dora, a qual Deus já levou. Nunca deixei meus compromissos de lado. Estudos e curiosidades caminhavam juntos à minha vontade de descobrir novos mundos que se abriam a cada descoberta. Graças as minhas boas notas no colégio, fui selecionado para entrar como menor aprendiz no Banco do Brasil no mesmo município que residia. Com o dinheiro, ajudava em casa, e ainda sobrava para investir em meus estudos. Cursei apenas o primeiro ano do Ensino Médio no CERu, com o curso Habilitação Básica em Agropecuária. No segundo ano, decidi que ia fazer um curso de Técnico em Contabilidade para aprimorar meus estudos por estar trabalhando com números em uma agência bancária. Pedi transferência para estudar no Colégio Timbaubense, na cidade de Timbaúba, a vinte e oito (28) quilômetros do meu Município. Em vista de problemas como transporte, no ano seguinte, ano de conclusão do curso que estudara tive que pedir transferência novamente para ir concluir o curso Técnico em Contabilidade, na cidade vizinha de nome Macaparana, agora, a quinze minutos da minha terra natal. Lá, tive a oportunidade de conhecer um pouco dos estudos sobre literatura com a professora Tereza. Conclui o curso técnico. Em São Vicente Férrer, decidi dar continuidade ao curso de Habilitação Básica em Agropecuária e conclui em 1993. Neste mesmo ano, meu contrato com o banco expirou. Nesta mesma época, em 08 de agosto iniciei o “Curso de Letras com Habilitação em Português, Inglês e outras Literaturas”, pela Universidade de Pernambuco, na Faculdade de Formação de Professores de Nazaré da Mata – FFPNM. O meio universitário é muito diferente das séries que até então estudara. Foi com a professora Avanilda, da disciplina Literatura Brasileira, que tive a oportunidade de conhecer um pouco sobre o vasto mundo literário. Foi com ela que conheci a obra “Ciranda de Pedras”, de Lygia Fagundes Teles; Dom Casmurro, de Machado de Assis, e outras obras que foram se apresentando para o meu mundo da leitura. Naquele momento, ainda não havia despertado para o mundo da escrita... parece que tive mais oportunidade de ler de que escrever. Conclui o curso em 08 de agosto de 1998 com a vontade de continuar nos estudos literários. O desejo ficou guardado tendo em vista que no ano seguinte iniciei um curso de “Administração de Empresas” na cidade de Timbaúba. Cursei por dois anos, mas os reveses da vida fizeram com que eu parasse o curso e seguisse para Recife. Procurando preparar-me melhor para desenvolver minhas habilidades profissionais no campo da contabilidade, passei alguns anos fazendo cursos de atualização apenas na área financeira, mas sempre que podia estava lendo textos literários, só por deleite mesmo. Alguns anos depois, 2002, na cidade de Casinhas, interior pernambucano comecei a prestar assessoria contábil junto com a contadora do Município, e como possuía licenciatura, prestei concurso e aprovado, comecei a lecionar no mesmo Município. Durante o ano de 2003 participei como cursista, no Programa de Formação de Alfabetizadores – PROFA, lecionando nas quintas e sextas séries do Ensino Fundamental. No ano de 2004, Deus concretizou um sonho muito especial: confirmar meus votos matrimoniais com uma mulher muito especial em minha vida: Gilderlane. No mesmo ano, participei de uma seleção para cursar Pós-Graduação em “Literatura e Estudos Culturais” pela Universidade Estadual da Paraíba. Fui classificado e conclui o curso no ano seguinte 2005. Durante o curso aprendi muito com os colegas, especialistas, mestres e doutores em Literatura, profissionais capazes de transformar meus poucos conhecimentos em um vasto caminho que a Literatura possibilita para aqueles que a procuram como atividade discursiva, e também para deleite, é claro! Inúmeras são as funções da Literatura na vida do ser humano! Percebi e constatei o Estudo Literário pode ser considerado como um eixo norteador capaz de abarcar várias disciplinas por sua profundidade literária. A partir da Literatura compreendi com mais facilidade questões até então obscuras dentro da Gramática, da Redação, enfim. A literatura possibilitou um novo olhar sobre grande parte dos Estudos Lingüísticos, sem que em nenhum momento, estes perdessem o seu valor. No ano de 2006 participei do “Pró-Letramento” pela Universidade Federal de Pernambuco, com a formadora Kátia Melo. Com ela aprendi mais sobre a “Psicogênese da Escrita” e da importância que devemos dar ao trabalho com “Gêneros textuais” em sala de aula. No mesmo ano, tive a oportunidade de formar sessenta e dois (62) professores da rede municipal de ensino de Casinhas, compartilhando com eles e aprendendo cada vez mais o quanto é importante refletir sobre a prática docente em sala de aula. Foi uma experiência muito enriquecedora, e hoje, nossos laços de amizades estão bem mais fortalecidos. No dia 16 de junho de 2006 tomei posse como Professor do Estado de Pernambuco, lecionando na Escola Ana Faustina, na cidade de Surubim. Iniciei o ano de 2007, participando de um curso de formação de “Prevenção contra o uso de drogas na Escola”, pela Universidade de Brasília – UNB. No mesmo período, assumi a tutoria presencial do “Curso de Pedagogia” pela EADCON/FAEL/UNITINS – Turma 2007, compartilhando de uma experiência ímpar em minha vida, que é poder aprender um pouco mais sobre o processo de ensino-aprendizagem a partir da Educação Infantil e das séries do Ensino Fundamental. No segundo semestre de 2007, iniciei um curso de Inglês pelo Núcleo de Estudos de Línguas – NEL, da Escola Severino Farias, em Surubim – PE. No dia 13 de agosto de 2008, fui nomeado pela segunda vez como Professor no Estado pernambucano, para a mesma escola que já estava lecionando. Em 2009, mais dois (02) cursos de formação têm surgido para melhorar a minha prática docente: o GDE – Gênero e Diversidade na Escola, pela Universidade Federal de Pernambuco, o GESTAR II, pela Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco. Durante os últimos anos tenho procurado escrever artigos literários acerca do ambiente escolar e social tomando por base o texto literário em sua riqueza plurissignificativa, participando de eventos nacionais, como o Colóquio de Representação de Gêneros e de Sexualidade, pela Universidade Estadual da Paraíba – UEPB. Atualmente, estou lecionando as disciplinas: Literatura, Português e Inglês em séries do Ensino Fundamental e Médio. E como dizia Proust em uma expressão que atualmente se tornou jargão “recordar é viver”, e nesse sentido, sem melancolias, sem saudades, apenas como lembranças de um tempo que ficou no passado, mas que foi de grande importância para a minha vida, para a minha formação: “Oh ! que saudades que eu tenho / Da aurora da minha vida, / Da minha infância querida / Que os anos não trazem mais !/ Que amor, que sonhos, que flores, / Naquelas tardes fagueiras / À sombra das bananeiras,/ Debaixo dos laranjais !/ Como são belos os dias / Do despontar da existência ! / - Respira a alma inocência / Como perfumes a flor; (Meus oito anos – Casimiro de Abreu). Hoje, a humanidade caminha para cada vez mais descobrir que “É livre quem deixou de ser escravo de si mesmo” (Sêneca). Espero em minhas memórias ter conseguido mostrar a você leitor (a) que ter acesso à leitura e a escrita é como viver. A gente vai obtendo um pouquinho de experiência a cada dia que se vive, relatando pouco a pouco o que acontece com a gente, e finalmente, é importante lembrar que temos muito a aprender enquanto se vive.

Hidelbrando Lino de Albuquerque
Surubim – PE, 25 de julho de 2009.

4 comentários:

  1. Mas que história de vida que você tem hein, rapaz?! Estou boquiaberta e sentindo-me bem pequenininha diante de tanta esperiência.
    Parabéns pra você.

    Um abraço,

    Maria José de Barros (Zui)
    Limoeiro - PE

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  2. Obrigado pela atencao. Nao se sinta pequenininha diante da minha experiencia, pois o Memorial que preparei representa a experiencia obtida a partir do seu Memorial que foi fundamental para a elaboracao do meu. Portanto, voce tambem faz parte dele. Um abracao.

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  3. É meu irmão a nossa educação foi realmente a base do que somos hoje e estou muito feliz por vc.Não tenho nem palavras , pois estou muito orgulhosa por ter um irmão tão inteligente. parabéns !!!!!!!!

    iranise albuquerque

    rio de janeiro rj
    15/08/2009

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  4. Obrigado maninha. Saibas que vc também nos proporciona muito orgulho. Beijo.

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